Entrevista concedida a estudantes de psicologia, em 24/10/2003.
1) Nos conte um pouco sobre a sua formação profissional e porque e como passou a desenvolver seu trabalho na área hospitalar.
Iniciei a minha trajetória curricular ainda na Universidade Paulista UNIP, onde realizei diversos estágios supervisionados, na área clínica e em dois hospitais no Instituto Brasileiro de Controle ao Câncer e em um hospital em São Caetano do qual não me recordo o nome. No 5o. ano, além de estagiar nestes dois hospitais e realizar atendimentos na clínica, realizei também estágio como voluntária na Santa Casa, no Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho. Este estágio era de segunda à sexta, das 7 às 12 horas. Realizei cerca de 500 atendimentos de pacientes com câncer e, na sua maioria, pacientes na terminalidade da vida. Após um ano de formada, ou seja, em 1996, iniciei o curso de pós-graduação em Psicologia Hospitalar, coordenado pela Dra. Mathilde Nedher, e, por convite dela, ingressei no mestrado da PUC como aluna especial, e no grupo de estudos em Psicologia Hospitalar da Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas. Após alguns meses, ingressei na equipe interdisciplinar do Ambulatório de Ginecologia da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas, dentro do Programa de Atendimento à Saúde do Adolescente do Estado de São Paulo, da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. Este programa também acontece na Casa do Adolescente. Na Casa, fui responsável pelo grupo terapêutico com adolescentes, adolescentes gestantes, mães e pais adolescentes. A minha vivência com esse grupo motivou-me a pesquisar as causas da gravidez na adolescência, pois, na sua quase totalidade, expressam que não queriam engravidar.
A partir desses trabalhos, fui realizando projetos e pesquisas na área hospitalar e da saúde, com pacientes, familiares e equipe interdisciplinar, com adolescentes, adultos e terceira idade, os quais tenho apresentado em vários congressos. Concomitantemente, fui realizando cursos de Psicologia Hospitalar e da Saúde, realizados em São Paulo e em outras cidades.
Em 2000 fundei o CEPPS Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Saúde.
Atualmente, atendo na clínica, tanto adolescentes como adultos. Desenvolvo cursos de extensão, formação e aperfeiçoamento nos hospitais Emílio Ribas e São Caetano, onde estou implantando o serviço de Psicologia.
2) Qual é o trabalho que você realiza com as crianças com câncer nos hospitais onde trabalha?
Nos hospitais atendo pacientes de toda faixa etária com qualquer tipo de queixa. O meu objetivo específico é tentar minimizar o sofrimento do paciente assim como da família e/ou acompanhante e da equipe.
3) Qual a importância do brincar, para crianças com câncer, no tratamento terapêutico?
O brincar é importante por dois motivos: é a forma que a criança se expressa e ao mesmo tempo, pode colaborar para melhorar o seu humor e, dessa forma, as chances de um prognóstico positivo aumentam.
4) Com qual abordagem psicológica você trabalha?
A minha abordagem psicológica é fundamentada na psicanálise e na psicossomática. Nos hospitais atuo com a Psicoterapia Breve na linha Psicanalítica e Psicossomática.
5) É realizado algum trabalho com a família do paciente?
Atender um paciente implica em dar continência, apoio e suporte psicológico aos familiares e/ou acompanhantes bem como à equipe. Atendê-lo fora deste contexto, implica em atendê-lo parcialmente ou não atendê-lo.
6) Você poderia citar quais são as suas maiores dificuldades no tratamento das crianças com câncer?
Penso que a dificuldade maior é lidar com a ausência de qualquer possibilidade de cura. Mesmo assim, trabalhamos com a esperança. Atender um paciente com câncer é literalmente diferente do que atender um paciente na sua terminalidade. Então, cuidar de uma criança com câncer significa para mim, cuidar de um paciente com determinado diagnóstico que tem determinados tratamentos. É importante que o profissional não associe, erroneamente, câncer com morte. No entanto, por mais preparados que nós, profissionais da saúde, estejamos em lidar com a morte e o morrer, sem dúvida, é mais difícil para a equipe, elaborar as perdas advindas com o falecimento de uma criança no hospital.
7) As crianças são informadas sobre a sua doença e sobre o tipo de tratamento que será realizado?
Todos os pacientes deverão ser informados sobre o seu diagnóstico e tratamento. A criança também, e é evidente, que de uma forma compreensível para ela. No entanto, cada caso é um caso. Há casos em que o paciente não é informado por diferentes motivos.
8) Existe uma equipe multidisciplinar no atendimento a estas crianças? Como é o trabalho com toda a equipe?
Todo paciente hospitalar é atendido por uma equipe multiprofissional. Essa equipe necessariamente precisa trabalhar de forma interdisciplinar visando trocar experiências, conhecimentos e informações acerca do paciente. É fundamental que a equipe esteja capacitada para trabalhar com as diferentes faixas etárias;uma coisa é cuidar de uma criança; outra, é cuidar de um adolescente; outra, é cuidar de um adulto; e outra, é cuidar de um idoso. Cada uma dessas fases de vida implica em estar vivenciando momentos diferenciados no desenvolvimento humano.
9) Você gostaria de acrescentar alguma coisa ou dar uma dica para alunos que pensam em trabalhar nesta área?
Para mim, ser psicólogo, um profissional da saúde, consciente das suas responsabilidades, não é tarefa para qualquer um não. Trabalhamos com vidas… com seres humanos em sofrimento… Então eu penso que lidar com pessoas em sofrimento, e propor ajuda a elas, é uma coisa seríssima. Implica em termos, além da nossa graduação, cursos vários dentro do campo que queremos e/ou precisamos conhecer; grupos de estudos; supervisão; congressos, jornadas; discussões científicas; enfim… muitos eventos relacionados à saúde e ao cuidar do outro. E tudo isso de nada adianta sem a nossa análise pessoal em dia, ou seja, ou estar em análise ou estar de alta, lidando com um certo equilíbrio com as nossas dificuldades… estarmos um tanto tranqüilos (se assim posso dizer) com relação à nossa morte e perdas ao longo da vida.
Lembro-me sempre da minha professora e supervisora da UNIP, da disciplina de Psicanálise, Dra. Paulina Cimrot, que nos dizia que: ser saudável é lidarmos com certa tranqüilidade, com certo sossego, com as nossas angústias… Também esses critérios não terão nenhuma valia se não estivermos bastante motivados para desempenhar a nossa profissão. A motivação, o isso é o que eu mais quero fazer na vida, vai determinar o nosso sucesso como pessoas ou não… sucesso no sentido de obtermos os resultados que queremos nos nossos trabalhos…
Dificuldades sempre existiram e existirão em todas as áreas da nossa vida. E, com certeza, eu também tive muitos obstáculos. Entretanto, não houve nenhum que me impedisse de ser o que sou, de realizar o que hoje realizo.
Penso que obstáculos existem para serem transpostos, superados. E, dessa forma, busco superar e/ou aprender a lidar com qualquer obstáculo que surja em meu caminho.
Evidente que é uma postura de vida… uma filosofia de vida… uma forma de lidar com as dificuldades… uma postura psicossomática:
“A saúde (e a felicidade – acréscimo meu), é um processo a ser adquirido e conquistado
em todos os momentos da vida, assim como as potencialidades para as realizações.
Pode-se dizer que ser saudável
é uma conquista contínua e não algo definitivo e eterno”
(PERESTRELLO)
Ser feliz e saudável
não é fácil…
é um processo de busca diário, contínuo,
uma postura… uma escolha de vida… uma decisão.
A.D.Cantone